Repórteres: Gabriel Henrique Teixeira e Manuel Nardi
Em todos os cantos onde é falado sobre o futebol, este esporte é capaz de despertar sentimentos nas pessoas muitas vezes inexplicáveis. Entretanto, o futebol não se resume apenas ao que é apresentado dentro das quatro linhas, a disputa pela bola dentro das novíssimas arenas ou o glamour dos títulos. Além de tudo isso, os clubes de futebol são empresas enormes, com muitos funcionários, gestão financeira, poder de marketing e patrocínio e com arrecadações que movimentam bilhões em uma indústria gigante.
Para se ter uma noção, de acordo com uma pesquisa realizada anualmente pela SportsValue, empresa especializada em marketing esportivo, apenas o setor de marketing dos 20 clubes brasileiros que mais arrecadaram em 2022, obteve no ano, R$1,2 bilhão, incluindo patrocínios e licenciamentos. Para efeito de comparação, no ano de 2019 esse número era de R$791 milhões. Ao todo, os 20 clubes com o maior faturamento no ano de 2022 somaram R$7,5 bilhões, representando um aumento de 9%, em relação ao ano anterior.
Nicolas Caballero, pesquisador e coordenador do MBA em gestão e marketing esportivo da Trevisan Escola de Negócios, destacou a importância deste segmento no contexto de clubes de futebol. “Quando falamos em marketing (esportivo), falamos em desenvolvimento dos 4 P’s dos clubes de futebol (produto, preço, praça e promoção). Adequar o produto (futebol) às necessidades e desejos do público-alvo (torcedores, fãs, simpatizantes, jogadores, e demais stakeholders da indústria), o preço, a praça e as estratégias de promoção desempenham um papel fundamental nesse processo”, afirma.
Outro número que vale destaque é para o setor de bilheteria, que chegou a arrecadar R$600 milhões, em 2022, contra R$149 milhões em 2021, o que representa um crescimento de 302%. Claro que devemos levar em consideração que o ano de 2021 foi prejudicado pela pandemia, com as liberações dos estádios sendo feitas de forma gradativa. O grupo dos 20 clubes com maiores arrecadações do futebol brasileiro recebem apenas de direitos de transmissão da televisão cerca de R$3 bilhões de reais, segundo a SportsValue. Esse dado representa algo em torno de 40% da receita dessas respectivas equipes.
No que diz respeito ao preço, Caballero enfatiza a necessidade de adequação às expectativas da indústria, desde o valor do ingresso até os produtos licenciados e cotas de transmissão. “A praça, representada pelo estádio, arena ou local do matchday, deve atender às necessidades do público em termos de acesso, conforto, localização, acessibilidade, segurança, alimentação, interatividade, bem como a possibilidade e/ou existência de eventos, ações ou opções ao redor do jogo. Por fim, as estratégias de promoção dos jogos, como publicidade, promoção de vendas e marketing digital, desempenham um papel crucial na maximização do impacto e do envolvimento do público”, explica.
Sobre o impacto do patrocínio no marketing dos clubes de futebol, o pesquisador, comentou que “o patrocínio, premiação, venda de direitos de transmissão e outras fontes de receita são vitais para os clubes de futebol”. Destacando a importância do planejamento a longo prazo através do patrocínio, ele enfatiza “a necessidade de os clubes cumprirem seus compromissos contratuais, desde a captação até a renovação. Além disso, observa-se o crescente interesse das empresas no esporte, buscando formas não invasivas de promoção e co-branding alinhado aos valores do clube e do esporte”.
Para exemplificar mais sobre os três clubes brasileiros que estamos analisando Flamengo, Palmeiras e Corinthians, respectivamente, tiveram as maiores folhas salariais entre as equipes de futebol profissional masculino, no ano de 2022. O Rubro-Negro carioca gasta anualmente com seus jogadores cerca de R$ 469 milhões. Em seguida, o Verdão com R$387 milhões e o Alvinegro paulista com R$309 milhões, completam o top 3 no Brasil, segundo dados dos balanços financeiros dos clubes.
Além disso, as três instituições somam juntos, R$2,7 bilhões em faturamento anual. O destaque fica por conta do Mengão, que é o primeiro clube na história do futebol brasileiro a alcançar a marca de R$1 bilhão de receita em um ano, em 2021 (repetindo o feito em 2022, e caminhando a passos largos para 2023).
Do outro lado, Boca Juniors, River Plate e Independiente, equipes com o maior número de torcedores na Argentina, de acordo com o censo realizado pelo canal esportivo TyC Sports, em 2022, arrecadaram juntas R$307,9 milhões no ano passado, segundo seus balanços financeiros.
As três equipes mais tradicionais da América Latina ocuparam o top 5 em 2022, quando o assunto é maiores salários entre as equipes de futebol profissional da Argentina. Somando as três folhas salariais de Boca (US$28,1), River (US$27,9) e Independiente (US$14,9), se obtém um valor de US$71 milhões, o equivalente a R$348,5 milhões, segundo dados do site Capology.
Uma grande vitrine
O volume financeiro que envolve o universo do futebol se expande para outros segmentos quando se avaliam as possibilidades oferecidas pelo marketing esportivo. No mundo dos equipamentos esportivos, a Nike e a Adidas são concorrentes que disputam o protagonismo no setor. A icônica rivalidade entre a Seleção Brasileira (Nike) e a Seleção Argentina (Adidas) se destaca e conquista o coração dos torcedores. A Nike é a marca que mais investe na Seleção Brasileira, com um acordo anual na casa dos US$35,5 milhões (R$175,5 milhões). Já a Adidas investe aproximadamente US$30 milhões (R$145,9 milhões) por ano na Seleção Argentina.
A Adidas, consciente da importância dos títulos da Copa do Mundo, esteve ao lado de seis campeões do torneio desde que as marcas passaram a estampar as camisas das seleções. Por sua vez, a Nike se orgulha de dois títulos. Esta rivalidade alcançou seu ápice em quatro ocasiões na final da Copa do Mundo, com a Adidas saindo vitoriosa em 1998, 2010 e 2022, com a França, Espanha e Argentina respectivamente, enquanto a Nike brilhou em 2002, quando o Brasil conquistou o título.
Nesse cenário, uma das maiores estratégias de marketing ocorreu na Copa do Mundo de 1970. Aquele histórico torneio, contou com Pelé, principal jogador da Seleção Brasileira campeã daquela edição, fazendo história antes mesmo do apito inicial, ao se abaixar para amarrar os cadarços de suas chuteiras da PUMA, proporcionando à marca uma exposição global por cerca de 30 segundos. Enquanto as seleções nacionais competem no campo, as marcas travam uma batalha de marketing que transcende o esporte, explorando a lealdade do consumidor e a exposição global.
Ocorrendo a cada quatro anos, a Copa do Mundo da FIFA é mais do que um simples espetáculo esportivo, mas um catalisador de impacto econômico significativo, especialmente para o país anfitrião. Em 2014, o Brasil investiu mais de R$25 bilhões na Copa do Mundo, dedicando parte significativa para estádios, infraestrutura, turismo e segurança. O legado econômico deste investimento está sujeito a debates sobre os retornos a longo prazo. Agora que a Copa do Mundo FIFA de 2022 no Qatar foi a mais cara da história, com um orçamento de 220 bilhões de dólares, a relação intrínseca entre futebol e investimento é destacada.
A conexão entre futebol e investimento é uma dança delicada entre a paixão e os interesses financeiros que moldam o cenário econômico global. À medida que os países se preparam para o Campeonato do Mundo da FIFA, o investimento torna-se uma parte essencial do sucesso do evento, seja através de parcerias público-privadas, de investimentos governamentais ou de patrocínios empresariais.
Em uma conversa no podcast “10 & faixa”, o empresário e ex-proprietário do Orlando City Soccer Club, Flávio Augusto da Silva, analisa os desafios econômicos enfrentados por clubes de futebol em diferentes partes do mundo, e traz uma perspectiva única que enfatiza a importância do tamanho do mercado e do potencial de geração de receita por meio de acordos de televisão.
“O potencial de mercado da Arábia Saudita é restrito, por isso não vejo grandes transformações acontecendo lá. A população é de 30 milhões, o que equivale à situação de Portugal, onde as equipes populares, Benfica e Porto, têm de funcionar num mercado de apenas 10 milhões. Ao comparar as receitas dos direitos televisivos destes clubes com as dos clubes espanhóis, é notavelmente inferior”, explica.
Interações nas redes sociais
No atual cenário do marketing esportivo, a integração das mídias sociais vai além de mera estratégia; ela se torna a espinha dorsal de todas as iniciativas. Compreender a magnitude dessa conexão é fundamental, pois as mídias sociais desempenham o papel de um influente funil que permeia todas as operações de um clube esportivo.
De acordo com levantamento realizado pelo Deportes&Finanzas, o Corinthians, com 66,3 milhões, o Flamengo, com 46,1 milhões e o Palmeiras, com 28,1 milhões, ocuparam, nesta ordem, a 2ª, 3ª e a 6ª posição no ranking das equipes com o maior número de interações efetuadas na rede social Instagram, no mês de setembro de 2023. Já River Plate (27,7 milhões) e Boca Juniors (15,6 milhões), figuram no top 10 da pesquisa, na 7ª e 9ª colocação, O Independiente não aparece dentro das 20 primeiras posições.
O São Paulo, embalado pela conquista da Copa do Brasil, se encontra no topo do ranking, com 70,6 milhões de interações em setembro. Um pouco mais atrás, o Santos Futebol Clube, com 8,67 milhões de interações, ocupa a 12ª colocação no ranking da pesquisa mensal. Em outro balanço, a Deportes&Finanzas, agora analisando o X (antigo Twitter), coloca River Plate (2,06 m), Boca Juniors (1,21 m) e Independiente (379 k), respectivamente, como os três clubes argentinos com mais interações na plataforma no mês de setembro deste ano.
Conforme salienta Ricardo Cardoso, head de mídias sociais no Santos Futebol Clube, o mundo digital desempenha um papel crucial, unindo todos os setores do clube, desde marcas e licenciamento até o relacionamento com os torcedores. “As mídias sociais representam o ponto de contato mais próximo com os torcedores, sendo um elemento essencial para o êxito em qualquer empreendimento do clube, uma verdadeira ferramenta poderosa na criação de conteúdo”, afirma Cardoso.
Sobre as estratégias mais eficazes para engajar os fãs, Caballero diz que tem que ser trabalhado um marketing de relacionamento, aproximando os torcedores e simpatizantes do clube. “Valer-se de eventos presenciais, trazendo o público-alvo para dentro do clube, com contato com os jogadores, ídolos e legends. Promover visitas destes a locais e eventos para promoção da equipe, trabalhando a experiência através de inúmeras estratégias (marketing sensorial, por exemplo). Trabalhar as mídias sociais próprias com promoções, campanhas, experimentações, etc. Estar onde os torcedores-alvo estejam, através das mais variadas plataformas de mídia”, afirma.
Quando se trata das estratégias de marketing dos clubes, Cardoso destaca a importância de adotar uma abordagem eficaz e genuína, que envolva a compreensão da linguagem dos torcedores e a aplicação a seu favor. Segundo ele, “o profissional encarregado das redes sociais do clube não só precisa possuir um profundo conhecimento histórico sobre a equipe, mas também deve ter uma percepção aguçada sobre como a torcida se relaciona com o clube, quais são suas preferências e quais expressões e conteúdos realmente ressoam com os torcedores. É essencial compreender o que a torcida considera humorístico e emocionante”.
Cardoso enfatiza que essa noção não se resume a simplesmente ser um torcedor do clube; ela exige experiência e a capacidade de criar conteúdo, monitorar o envolvimento, avaliar o feedback e entender as respostas dos torcedores. “Atuar nas redes sociais envolve assumir riscos com ideias que podem ou não ser bem-sucedidas. Mas, também significa aprender com a vivência e as interações com a comunidade de torcedores em constante evolução, que se adapta às tendências em evolução da internet e aos memes que estão sempre se renovando. Manter um contato próximo com os torcedores é fundamental para desenvolver a linguagem que terá o maior impacto na audiência e estimulará o engajamento com o clube “, explica.
O futebol une torcedores de vários cantos do mundo como nada mais, tornando-se uma plataforma ideal para o marketing esportivo. A combinação de táticas e torcedores dedicados dá origem a momentos únicos na dinâmica indústria do futebol. O ingrediente chave para alcançar o sucesso reside em aproximar pessoas, comunidades e culturas através do seu amor mútuo pelo jogo. O marketing no futebol abre caminho para que as gerações futuras tenham memórias atemporais em cada partida, camisa e história.
Excelente reportagem!
Muito interessante!
Show!!!